“Parece que essa tragédia nunca passa… Todo dia morre uma criança.” As palavras da gari Luciene dos Reis Silva, mãe de uma menina que também estava na Creche Gente Inocente, em Janaúba, resume o sentimento de dor e perplexidade diante do massacre que ontem fez mais uma vítima. A filha dela, Paloma Antonielly Silva, de 1 ano e 3 meses, foi salva por uma professora do massacre promovido pelo vigia Damião Soares dos Santos, de 50, que ateou fogo ao próprio corpo e deixou um rastro de destruição na unidade de ensino da cidade do Norte de Minas. Mas Luciene sabe bem a dor que sentem os pais de alunos como Mateus Felipe Rocha Santos, com 5 anos completados no último dia 27, que ontem não resistiu aos ferimentos e se tornou a nona vítima infantil do incêndio ocorrido na quinta-feira.
Professora de oito das nove crianças que morreram vítimas do ataque, a funcionária da Creche Gente Inocente Adrilene Rodrigues também disse estar vivendo dias de muita dor. “Estou com uma enorme tristeza, um vazio imenso, desde o dia da tragédia”, disse. Muito emocionada com a notícia de mais uma perda, ela lamentou a morte do pequeno Matheus. “Ele era um menino muito inteligente. Toda vez que eu contava uma historinha era o primeiro a comentar. Era também uma criança muito alegre e gostava muito de brincar com carrinhos”, lembra, com tristeza, dizendo que gostava muito do pequeno. “No dia, eu fui até o hospital para tentar ajudá-lo. Fiquei triste, porque ele estava muito grave e não pude fazer muita coisa”, lamentou.
Sobre o aniversário do garoto, no último dia 27, Adrilene disse que a turma cantou parabéns para o menino e que uma festinha estava sendo preparada para ele e para outros aniversariantes, nos próximos dias. Adrilene trabalhava na centro infantil no turno da tarde e, por isso, não estava no local no momento em que Damião ateou fogo às crianças.
Ao mesmo tempo em que os familiares de Mateus resolviam os detalhes para providenciar o velório e sepultamento do corpo da criança, a diretora do Hospital Regional de Janaúba, Lilian Gonçalves Tolentino, informava sobre a chegada dos outros dois pacientes à unidade, que já não tinha nenhum ferido em tratamento. Elton Batista Oliveira, de 50 anos, e Valéria Borges, de 28, estavam entre as pessoas que prestaram ajuda para evitar que a tragédia na creche fosse ainda maior.
Conforme informou a diretoria do hospital, Elton deu entrada na unidade na sexta-feira. Logo em seguida o quadro se agravou e ele foi levado para o CTI. Já Valéria apresentou sintomas no domingo e foi direto para o CTI do hospital. Valéria trabalhava como cantineira na creche e ajudou a resgatar muitas crianças durante o incêndio. Elton é trabalhador rural aposentado. Ele passava em frente ao local na manhã de quinta-feira quando viu o desespero das professoras e crianças e entrou no imóvel em chamas para tentar salvar vítimas.
Os dois pacientes continuam internados no Hospital Regional e o quadro, de acordo com o médico Marcos Vinícius Reis Gomes, embora grave, é estável. Elton e Valéria estão no CTI, porque precisam de maior assistência. “Durante o incêndio na creche houve combustão de materiais como PVC, cortinas e colchões. Esses produtos liberaram toxinas, inaladas pelas pessoas. A reação tóxica e inflamatória nesses casos não necessariamente ocorre imediatamente após o contato com a fumaça. Essa reação é esperada em até 72 horas. Foi o que aconteceu com os dois pacientes”, explicou. Ainda segundo o profissional, vítimas podem apresentar nesse período sintomas como tosse, rouquidão e falta de ar, como os dois pacientes internados. Algumas podem manifestar reações mais graves.
A mãe de Valéria, Rita Ramos de Souza, de 53 anos, disse que está esperançosa em relação à recuperação da filha. “Estou muito triste por causa do que aconteceu. Mas, ao mesmo tempo, me sinto alegre porque a minha filha teve a força de Deus no momento difícil, para ajudar a salvar várias crianças. Ela falou que atravessou no fogo e, graças a Deus, não queimou nenhum fio de cabelo. Mesmo com pedaços de PVC do teto queimando e caindo em chamas ela entrou debaixo para tirar as crianças lá de dentro”, afirma Rita, satisfeita com a saída da filha da unidade de tratamento intensivo. “Espero que ela logo melhore”, disse.
Rita já trabalhou na creche Gente Inocente. Há quatro anos mudou de escola. Mesmo assim, ela mantém contato com as crianças e colegas de trabalho do emprego antigo. “A gente perdeu várias crianças que considera praticamente como filhos. Deus é grande e vai nos dar força, mas não é fácil aguentar uma coisa dessas, não”, disse.